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Sessão do Senado durou 17 horas e terminou sem surpresas |
A presidente afastada Dilma Rousseff irá a julgamento por
crimes de responsabilidade e pode perder definitivamente o mandato.
Essa foi a
decisão tomada pelo Plenário do Senado na madrugada desta quarta-feira (10),
por 59 votos a 21, na conclusão da fase de pronúncia do processo de impeachment
contra Dilma.
O julgamento final terá início no fim deste mês, em data ainda não
definida oficialmente.
A votação concluiu uma sessão iniciada na manhã do dia
anterior e que durou cerca de 17 horas. Ela foi presidida pelo presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski. Foram 47 discursos de
senadores e manifestações dos advogados da acusação, Miguel Reale Júnior, e da
defesa, José Eduardo Cardozo.
Essa foi a segunda derrota de Dilma Rousseff desde a chegada
do processo de impeachment ao Senado. A primeira, em 12 de maio, resultou na
abertura do processo e no afastamento temporário da presidente. Na ocasião, 55
senadores votaram pela admissibilidade do impeachment e 22, contra.
A partir de agora, abre-se um prazo de 48 horas para que a
acusação ofereça seu libelo (narração do fato em julgamento e pedido da pena) e
indique até seis testemunhas para serem ouvidas em Plenário. Logo depois, a
defesa terá outras 48 horas para apresentar o seu contraditório, além de também
indicar até seis testemunhas.
Concluída essa etapa, Lewandowski marcará a data do início
do julgamento, notificando as partes com antecedência de dez dias.
Denúncia A presidente afastada Dilma Rousseff é acusada de
ter cometido crime de responsabilidade contra a lei orçamentária e contra a
guarda e o legal emprego de recursos públicos, na forma de três decretos de
abertura de créditos suplementares e operações com bancos públicos consideradas
ilegais. Todos os atos são do ano de 2015.
Segundo a acusação, os decretos foram editados em desacordo
com a meta fiscal vigente e sem a autorização do Congresso Nacional. A defesa
argumenta que eles têm respaldo da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2015 e que
não houve dolo da presidente, que teria apenas seguido recomendações técnicas e
jurídicas de outros órgãos.
As operações com os bancos — as chamadas “pedaladas fiscais”
— consistiram no atraso do pagamento de equalizações de juros para os bancos no
contexto do Plano Safra, de fomento à agricultura familiar.
A acusação afirma
que esse atraso configura operações de crédito entre os bancos e a União em
benefício do Tesouro, o que é vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
A defesa refuta esse entendimento. Segundo ela, desde a
criação do Plano Safra, em 1992, há atrasos nesses repasses, por questões
operacionais, e eles não podem ser interpretados como operações de crédito.
Além disso, a defesa alega que todos os débitos foram quitados, não restando
prejuízo para os bancos, e que não houve participação direta da presidente
Dilma nesse processo.
A denúncia é assinada pelos juristas Hélio Pereira Bicudo,
Miguel Reale Júnior e Janaína Conceição Paschoal. Ela foi protocolada na Câmara
dos Deputados no dia 1º de setembro de 2015, e aceita em 2 de dezembro do mesmo
ano pelo ex-presidente da casa, deputado Eduardo Cunha.
Relator A decisão do Plenário confirmou o parecer da
Comissão Especial do Impeachment, aprovado na semana passada. O senador Antonio
Anastasia (PSDB-MG), relator da comissão, foi o primeiro a usar a palavra.
Ele
defendeu seu texto, argumentando que o trabalho da comissão produziu provas
suficientes para demonstrar “cabalmente” a prática dos crimes de
responsabilidade que constam da denúncia contra a presidente Dilma Rousseff.
- Percebe-se claramente que, tanto no episódio dos decretos
quanto no das “pedaladas”, a presidente pretendeu dar continuidade a práticas
manifestadamente ilegais para sustentar politicamente o início de seu segundo
mandato – afirmou.
Anastasia avaliou que o eventual retorno de Dilma ao
exercício da Presidência representaria “risco” para o equilíbrio das contas
públicas. Ele salientou que o julgamento da presidente afastada pode ser uma
garantia de respeito ao Estado de direito no âmbito da política fiscal.
- O que se rechaça é a usurpação das prerrogativas do
Congresso Nacional, a manipulação dos bancos públicos e a fraude às contas
públicas. Pela gravidade de que se revestem, essas condutas são, por justo
motivo, tipificadas como crimes de responsabilidade - argumentou Anastasia.
A Comissão do Impeachment trabalhou por 101 dias entre o fim
de abril e o início de agosto. Nesse período, os senadores membros ouviram 44
testemunhas, analisaram três laudos periciais e votaram dois relatórios. A
presidência coube ao senador Raimundo Lira (PMDB-PB).
Debate Depois da manifestação de Anastasia, os senadores se
revezaram na tribuna ao longo das horas seguintes para falar a favor ou contra
a continuidade do processo de impeachment.
Defensores do afastamento elogiaram
o relatório, sustentando que foram produzidas provas suficientes para julgar a
presidente Dilma. Por sua vez, os aliados de Dilma Rousseff trataram o processo
como um golpe de Estado e falaram em ameaças à democracia brasileira.
Apesar de a sessão ter começado pouco antes das 10h, a etapa
de debates só se iniciou após as 13h, devido a uma série de questões de ordem
apresentadas no início dos trabalhos (ver abaixo). Como cada senador teve
direito a dez minutos para expor o seu ponto de vista, a previsão era que
apenas a fase de debate se estendesse até a madrugada.
Em função disso, alguns parlamentares abriram mão da palavra
para antecipar a votação. Foi o caso do PSDB: dez dos 11 senadores tucanos
retiraram seus nomes da lista de inscrição e permitiram que o senador Aécio
Neves (PSDB-MG) falasse em nome de todos.
O presidente Ricardo Lewandowski interrompeu a sessão por
duas vezes, ao 12h e às 18h, para intervalos de uma hora. Entre o fim da tarde
e o início da noite, duas propostas diferentes, dos senadores Aécio Neves e
Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), foram apresentadas para que a sessão fosse
encerrada ao fim dos discursos e retomada apenas na manhã desta quarta-feira.
Como não houve consenso, Lewandowski optou por manter a continuidade dos
trabalhos.
Os defensores da presidente afastada apresentaram
requerimentos para destacar do texto do parecer cada uma das quatro acusações,
de modo que elas pudessem ser discutidas e votadas individualmente.
Após a votação do relatório de Anastasia, os senadores
analisaram os destaques, que tratavam das “pedaladas fiscais” referentes ao
Plano Safra, de um decreto de suplementação orçamentária no valor de R$ 29
bilhões e de outro decreto de suplementação no valor de R$ 600 milhões. Antes,
os senadores debateram as questões preliminares apresentadas pela defesa, que
foram agrupadas num destaque.
Ao final, os senadores rejeitaram todos os destaques e
mantiveram os termos do parecer de Anastasia.
Acusação e defesa Ao fim dos discursos dos senadores, a
acusação e a defesa tiveram a palavra por 30 minutos cada para apresentarem suas
manifestações finais na fase de pronúncia do impeachment.
O jurista Miguel
Reale Júnior, um dos autores da denúncia contra a presidente Dilma Rousseff,
falou em nome da acusação. Segundo ele, Dilma não está sendo afastada por
“fatos isolados” de cunho fiscal, mas pela forma “irresponsável” como conduziu
o país.
- Esta Casa foi desrespeitada seguidamente pela presidente
da República. Não é ato isolado. É forma de conduta seguidamente praticada ao
longo dos anos. Desconheceu-se absolutamente qualquer prudência, qualquer
cuidado com as finanças públicas. Desconheceu-se essa Casa como uma Casa de
controle — afirmou.
O advogado de defesa da presidente afastada, o ex-ministro
da Justiça e ex-advogado-geral da União José Eduardo Cardozo, questionou a
abordagem de Reale Júnior. Para Cardozo, o advogado da acusação evitou falar
dos autos do processo porque as provas que sustentavam as denúncias foram
derrubadas.
- As provas são fatais, arrasadoras e demonstram a inocência
da senhora presidente da República em relação aos fatos. Crimes de
responsabilidade exigem a demonstração por meio de um processo. Quando um
acusador foge desse debate, é porque algo está frágil no seu raciocínio –
disse.
Miguel Reale Júnior declarou que Dilma mostrou-se “indigna”
de exercer a Presidência da República porque governou por meio “da obscuridade
e da mentira”. Cardozo salientou que o processo de impeachment viola a
Constituição e o Estado de direito e é passível de anulação devido a falhas
procedimentais do relatório.
Questões de ordem Antes
do início da discussão, o presidente Ricardo Lewandowski respondeu a questões
de ordem apresentadas por senadores aliados da presidente afastada.
Em uma
delas, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) pedia a suspensão do processo de
impeachment, alegando que um fato novo “gravíssimo” surgiu nos últimos dias.
Ele se referia a denúncias divulgadas na imprensa de que o
empresário Marcelo Odebrecht, em delação premiada, teria acusado o presidente
interino Michel Temer de pedir e receber, em 2014, R$ 10 milhões para o PMDB,
seu partido. O dinheiro seria proveniente de caixa dois.
- A Operação Lava Jato denuncia empreiteiras que repassaram
propinas a partidos em forma de doações eleitorais. Houve apoio financeiro
diretamente negociado por Temer. Essa negociação ocorreu em dinheiro vivo. Os
fatos são gravíssimos – alegou Randolfe.
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) alertou que o afastamento
definitivo de Dilma Rousseff representaria uma “blindagem” a Temer, uma vez
que, como presidente efetivo, ele não poderia ser investigado por fatos
anteriores ao início do mandato.
Em outra questão de ordem, a senadora Vanessa Grazziotin
(PCdoB-AM) alegou a suspeição de Antonio Anastasia para exercer a relatoria do
processo de impeachment.
Segundo ela, o parlamentar não poderia ter assumido
tal função por pertencer a um partido que teve um de seus filiados como
signatário da denúncia.
O presidente Ricardo Lewandowski rejeitou as questões de
ordem. Em relação à suspensão do processo, ele argumentou que tratava-se de
questão estranha ao objeto da sessão. Sobre a suspeição de Anastasia,
Lewandowski afirmou que o assunto já havia sido decidido anteriormente.