Dilma Rousseff e Michel Temer em cerimônia |
Em tom de desabafo e de críticas à presidente, o vice Michel
Temer (PMDB), incomodado com as declarações de Dilma de que confia nele, enviou
carta "pessoal e confidencial" à petista em que diz textualmente que
ela dá demonstrações de que "não confia nem em mim nem no PMDB".
Ao justificar o texto por escrito, entregue nesta
segunda-feira (7) por sua chefe de gabinete à presidente, a carta começa com a
seguinte expressão: "as palavras voam, o escrito permanece".
Em
seguida, Temer diz que o PMDB e ele sempre foram "extremamente leais a
senhora", lembrando as disputas na convenção que levaram à aliança dele com
Dilma para a disputa de sua primeira eleição.
Logo depois, Temer diz que apesar de, nos últimos dias, a
presidente fazer comentários de que espera ter a confiança do vice-presidente,
os fatos durante o primeiro e segundo mandato da petista mostram que "a
senhora não confia nem em mim nem no PMDB".
O peemedebista passa a relatar, então, cerca de dez
episódios em que diz ter sentido que a presidente nunca confiou nele. Um deles
envolve o vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que esteve no Brasil.
Temer reclama que, na época, não foi chamado para as
audiências e que assessores do próprio vice norte-americano perguntaram para
sua equipe porque ele não participou do encontro.
Ao final do relato, Temer volta a dizer que "tenho
quase certeza", depois destes exemplos, "que a senhora continua não
confiando em mim".
Em seu texto, num tom de desabafo, o peemedebista diz que,
no primeiro mandato, foi um "vice decorativo", mas que em nenhum
momento criou dificuldades para o governo dela, sendo leal ao Palácio do
Planalto.
Depois, Temer passa a explicar sua postura atual, de evitar
comentários públicos em defesa da presidente Dilma. Ele destaca que é o
presidente do PMDB, precisa trabalhar pela unidade do partido e não pode perder
o apoio do PMDB.
"Por isto este meu cauteloso silêncio", diz ele ao
final do texto de três páginas, entregue em envelope fechado no gabinete da
presidente Dilma por volta das 17h.
Temer disse a amigos que o texto foi enviado em caráter
"confidencial e pessoal", mas que o Palácio do Planalto acabou
vazando seu conteúdo, no que ele sentiu mais uma demonstração da desconfiança
que o governo nutre em relação a ele.
O vice fez a carta porque ficou incomodado com as versões de
que havia pregado o rompimento entre o PMDB e o governo.
E, diante da informação de que a presidente o procuraria
para conversar, Temer resolveu apontar por escrito fatores reveladores da
desconfiança que o governo tem em relação a ele e ao PMDB.
Leia abaixo a íntegra da carta do vice-presidente Michel
Temer a Dilma:
São Paulo, 07 de Dezembro de 2.015.
Senhora Presidente,
"Verba volant, scripta manent".
Por isso lhe escrevo. Muito a propósito do intenso noticiário
destes últimos dias e de tudo que me chega aos ouvidos das conversas no
Palácio.
Esta é uma carta pessoal. É um desabafo que já deveria ter
feito há muito tempo.
Desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente
a necessidade da minha lealdade. Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos.
Lealdade institucional pautada pelo art. 79 da Constituição
Federal. Sei quais são as funções do Vice. À minha natural discrição conectei
aquela derivada daquele dispositivo constitucional.
Entretanto, sempre tive ciência da absoluta desconfiança da
senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB. Desconfiança incompatível
com o que fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo.
Basta ressaltar que na última convenção apenas 59,9% votaram
pela aliança.
E só o fizeram, ouso registrar, por que era eu o candidato à
reeleição à Vice.
Tenho mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo usando
o prestígio político que tenho advindo da credibilidade e do respeito que
granjeei no partido.
Isso tudo não gerou confiança em mim, Gera desconfiança e
menosprezo do governo.
Vamos aos fatos. Exemplifico alguns deles.
1. passei os quatro primeiros anos de governo como vice
decorativo. a senhora sabe disso. perdi todo protagonismo político que tivera
no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. só era chamado para
resolver as votações do pmdb e as crises políticas.
2. Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir
formulações econômicas ou políticas do país; éramos meros acessórios,
secundários, subsidiários.
3. A senhora, no segundo mandato, à última hora, não renovou
o Ministério da Aviação Civil onde o Moreira Franco fez belíssimo trabalho
elogiado durante a Copa do Mundo. Sabia que ele era uma indicação minha. Quis,
portanto, desvalorizar-me. Cheguei a registrar este fato no dia seguinte, ao
telefone.
4. No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o
Ministério em razão de muitas "desfeitas", culminando com o que o
governo fez a ele, Ministro, retirando sem nenhum aviso prévio, nome com perfil
técnico que ele, Ministro da área, indicara para a ANAC.
Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) que ele saiu
porque faz parte de uma suposta "conspiração".
5. Quando a senhora fez um apelo para que eu assumisse a
coordenação política, no momento em que o governo estava muito desprestigiado,
atendi e fizemos, eu e o Padilha, aprovar o ajuste fiscal.
Tema difícil porque dizia respeito aos trabalhadores e aos
empresários.
Não titubeamos. Estava em jogo o país. Quando se aprovou o
ajuste, nada mais do que fazíamos tinha sequencia no governo. Os acordos
assumidos no Parlamento não foram cumpridos. Realizamos mais de 60 reuniões de
lideres e bancadas ao longo do tempo solicitando apoio com a nossa
credibilidade. Fomos obrigados a deixar aquela coordenação.
6. De qualquer forma, sou Presidente do PMDB e a senhora
resolveu ignorar-me chamando o líder Picciani e seu pai para fazer um acordo
sem nenhuma comunicação ao seu Vice e Presidente do Partido.
Os dois ministros, sabe a senhora, foram nomeados por ele. E
a senhora não teve a menor preocupação em eliminar do governo o Deputado Edinho
Araújo, deputado de São Paulo e a mim ligado.
7. Democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente, com
a oposição. Sempre o fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento.
Aliás, a primeira medida provisória do ajuste foi aprovada
graças aos 8 (oito) votos do DEM, 6 (seis) do PSB e 3 do PV, recordando que foi
aprovado por apenas 22 votos. Sou criticado por isso, numa visão equivocada do
nosso sistema. E não foi sem razão que em duas oportunidades ressaltei que
deveríamos reunificar o país. O Palácio resolveu difundir e criticar.
8. Recordo, ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião
de duas horas com o Vice Presidente Joe Biden - com quem construí boa amizade -
sem convidar-me o que gerou em seus assessores a pergunta: o que é que houve
que numa reunião com o Vice Presidente dos Estados Unidos, o do Brasil não se
faz presente? Antes, no episódio da "espionagem" americana, quando as
conversar começaram a ser retomadas, a senhora mandava o Ministro da Justiça,
para conversar com o Vice Presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem
significado absoluta falta de confiança.
9. Mais recentemente, conversa nossa (das duas maiores
autoridades do país) foi divulgada e de maneira inverídica sem nenhuma conexão
com o teor da conversa.
10. Até o programa "Uma Ponte para o Futuro",
aplaudido pela sociedade, cujas propostas poderiam ser utilizadas para
recuperar a economia e resgatar a confiança foi tido como manobra desleal.
11. PMDB tem ciência de que o governo busca promover a sua
divisão, o que já tentou no passado, sem sucesso.
A senhora sabe que, como Presidente do PMDB, devo manter
cauteloso silencio com o objetivo de procurar o que sempre fiz: a unidade
partidária.
Passados estes momentos críticos, tenho certeza de que o
País terá tranquilidade para crescer e consolidar as conquistas sociais.
Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em mim e no
PMDB, hoje, e não terá amanhã.
Lamento, mas esta é a minha convicção.
Respeitosamente, \ L TEMER
A Sua Excelência a Senhora
Doutora DILMA ROUSSEFF
DO. Presidente da República do Brasil
Palácio do Planalto
Brasília, D.F.
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